terça-feira, 8 de maio de 2012

Quinta-feira - Carol Miskalo



"ainda me lembro bem, daquela quinta-feira (...) / ouvi o grito de dor de um homem que falava a verdade / mas ninguém se importava / botando pra fora tudo o que sentiu na pele / mas ninguém lhe dava ouvidos não"


Cheia de sacolas pretas a mulher loira de cabelos curtos e pele queimada pelo sol se aproxima. De longe sinto o cheiro de urina que exala do seu corpo. Observo seus movimentos delicados, seus olhos castanhos, seu rosto angelical, seu olhar maltratado e seu corpo cheio de feridas. Ela passa silenciosa e junta as latinhas de cerveja que um grupo de jovens depositou perto de uma das arvores da praça. A outra loira, alta e magra, com seu sapato roxo da moda, em cima do seu salto 15 da moda, com seu cabelo da moda e dentro das roupas da moda, passa e segura sua bolsa da moda. Sua pele e seu jeito demonstram a que classe pertence. Ela passa e enjoa a todos com seu perfume da moda. 

Ela passa vira a cara para fazer de conta que não vê a mendiga que está ali.


SIMPLESMENTE segura sua bolsa junto ao corpo e DESPREZA o outro humano que está ali. 



Ainda posso ouvi-la dizer aos taxistas “não agüento mais ver favelado no centro. Não sei por que o governo não da logo um fim nisso”.

A favelada nem se importa, ela já está vivendo um outro astral. As centenas de latinhas que ela junta todo dia dão a ela o que ela precisa para poder suportar a dor de pertencer a este mundo. Ela se aproxima e me conta sua história. A mesma história que já ouvi milhões de vezes. A história de um amor verdadeiro que foi trocado pelo poder. Decepcionada com as proporções do poder cedido ao dinheiro ela resolveu abandonar todo aquele mundo de conforto.


E em sua sensatez ainda me diz que é consciente do erro que comete ao fazer essa escolha todos os dias, mas que é muito mais difícil encarar a vida de cara limpa do que noiada. A favelada, ainda discorre longamente sobre a questão do homem e sua sociedade de papel. O homem e toda sua falsa moral. O homem e seu orgulho egocêntrico.

Um homem que sendo prisioneiro do tempo e do dinheiro, não olha pra si.

Naquele momento, com aquela mulher ao meu lado, repensei mais uma vez em todos os meus conceitos...






* Carol Miskalo é do tipo de pessoa que sempre tenta levar um papel e uma caneta consigo para escrever sobres suas observâncias

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