domingo, 27 de julho de 2014

perdi um pai

um super herói
por vezes vilão
que tentando acertar
tentava em vão

um desbravador
de florestas escuras
contador de histórias
cheio de aventuras

perdi um herói
que me ensinou a cantar
a cultivar o pão
e a vida plantar

também me ensinou
a gostar de livros
tanto dos novos 
quanto dos antigos

ensinou a ser simples
e a ter bom coração
a não desanimar
com a queda ao chão.

perdi um pai,
um exemplo não presente
um amor escondido
sempre ausente.

um anti-herói
nada perfeito
com sabidos defeitos
que não sei se vou entender.
ele se foi
e fico calada
um tanto emocionada
pensando por que. 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

país da inclusão (ou cordel da ironia)



no país da inclusão
preconceito é coisa do passado
basta ligar a tevê
e saberá do que falo
dona branca diz sem pressa
"preconceito aqui não existe
no carnaval estamos juntos na avenida
não tem ninguém triste"

e se a pele é negra
a escravidão é marcada
é pobre, é boa, gentil
e dorme no quarto da emopregada
se a pele é preta
é forte, alto, cheio de disposição
é maloqueiro, jardineiro, tantos eiros
que me falta adjetivação

ministro, juiz, deputado
polícia, mídia, aparelhos da burguesada
fazem limpeza étnica e social
embranquecendo a pátria amada
se a culpa é branca
"vamos mudar a cara do culpado
branco, rico não pode ser preso
preto, pobre já nasce condenado"

mas no país da inclussão
preconceito é coisa do passado
é só andar por aí
pra saber do que eu falo
dona branca diz
"ele é preto mas é educado
é bom, limpinho
só que é preto de cabelo pixaco"

no país da inclusão
o preconceito é velado
aceito, semi-oculto
muito propagado
no país da inclusão
a negritude só é bem vista
em 20 de novembro
e no carnaval se é sambista

nesse país que se esconde
atrás de uma cara pouco hostil
pobre morre a toda hora
na guerra civil
condenados, enganados
assassinados de maneira brutal
esse país sem preconceito
se chama brasil dos bons costumes e boa moral

(carol miskalo)



quinta-feira, 25 de julho de 2013

O menino que carregava pedras...


carregava em suas costas
pedras
pesadas
que inflam
não camuflam

carregava em seu rosto
pedras pesadas
que doem
destroem

carrega na cara
a marca clara
do seu preconceito

que dispara


*Carol Miskalo

quarta-feira, 24 de julho de 2013

o que sobrou do rio



várias vezes!
a última?
há três meses.
chuva forte,
forte enchente,
doença grave,
trágico presente!

foi envenenamento.
água sanitária,
tão límpida,
tão serena
e cristalina.
agora?
uma alma cândida.

...

E O QUE SOBROU DO RIO?
assombro, horror
fome, frio

O QUE VOCÊ ASSISTIU?
morte, trauma
mergulhos, calafrios

COMO VOCÊ REAGIU?
indiferença, silêncio
um espaço vazio

...

o que nos sobrou ninguém viu...
a miséria e a tristeza
a pobreza que nos uniu!




* Carol Miskalo - poesia baseada no espetáculo "O que sobrou do rio". Espetáculo que narra de maneira intensa a tragédia vivida pelos moradores do Jardim Romano, Zona Leste de São Paulo, em 2010.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Dói Saber...



Me dói saber que a revolução não terá pés sujos, mãos calejadas, unhas encravadas e sujas de terra.
Me dói saber que a revolução não terá uniformes de garis, nem mãos e roupas sujas de tinta, cimento e graxa, nem mãos cheirando água sanitária e desinfetante.
Me dói saber que a revolução nunca será fedida, não falará de fome, nem pobreza. Talvez dessa pobreza bonitinha e aconchegante que passam na televisão.
A pobreza e a miséria que geram vinganças – conhecidas por crimes - que geram frustrações, que geram milhares de fantasmas que andam por aí. Moribundos, fedorentos e esquecidos.
Me dói saber que as mesmas pessoas que gritam por mudanças, gritam pela paz, contra a corrupção, são as mesmas pessoas que viram a cara para não ver a tristeza e torcem seus narizes para não sentirem o cheiro.
Me dói saber que a revolução não terá pés sujos.
Me dói muito saber que a revolução não será para o continente invisível de mãos calejadas, nem de trabalhadores escravos, nem de trabalhadores sujos. Eles?! De nada servem, nem sequer são ouvidos.

É uma pena saber que a tão sonhada revolução...
não é para todos!



*Carol Miskalo

A fé em Deus é geral - REALIDADE CRUEL

"nada como a miséria pra você sabe
quem realmente tá do lado de você
na bonança é muito fácil todo mundo tá feliz..."



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ela (primeira versão)

Clique e ouça a leitura em uma gravação caseiríssima!
=)

Ela

ela de branco
estúpida donzela
se perdeu num encanto
e ele não sabe dela

ela pela ala
pela lua
pela loa
pela linda noite adentro

ela voa, se insinua
semi-nua
em um estúpido escapamento

ela come
queima
cheira
se enche de um olhar ferido


ela lambe
limita
alinhava um sonho perdido

ela amanhece
se estremece
se espanta
espancada
num chão frio

grita
corre
morre

foge 

como um bicho arredio


ela abandonada
encalhada
destruida
vira notícia de jornal

"Foi assassinada, violentada, agredida, estuprada
pelo marido no leito do casal"

morreu julgada
abusada
condenada
pelos homens da boa moral

sem chance
revanche
ardente
mais um crime passional

*Carol Miskalo

O Grande Assalto - Ferréz



Avenida Santo Amaro. Às 13 h. 

Um homem mal vestido para em frente a uma concessionária de automóveis fechada e nota as bolas promocionais amarradas à porta. 
Um policial desce da viatura, olha para todos os lados e observa um suspeito parado em frente a uma concessionária. 

O suspeito está mal vestido e descalço. 

Uma senhora sentada no banco do ônibus que pára na avenida para pegar passageiros comenta com a moça sentada ao seu lado que tem um mendigo todo sujo parado em frente a uma loja de automóveis. 

Um senhor passa por um homem todo sujo. segura a carteira e começa a andar apressado
Logo que nota a viatura estacionada mais à frente, se sente seguro, amenizando os passos. 

Um jovem tenta desviar de trás do ônibus parado, os policias que ele vê logo à frente lhe trazem desconforto, pois seu carro está repleto de drogas que serão comercializadas na faculdade onde estuda. 

O homem malvestido resolve agir, dá três passos à frente, levanta as mãos e agarra duas bolas promocionais; faz a conta rapidamente e se sente realizado, quando pensa que ao vender as bolas comprará algo para beber

Uma moça alertada pela senhora ao seu lado no ônibus, chama a atenção de vários passageiros para o homem que, segundo ela, é um mendigo, e diz alto que ele acabou de roubar algo na concessionária. 

Um jovem com o carro cheio de drogas para vender na sua faculdade nota o homem correndo com duas bolas e dá ré no carro ao ver os policiais vindo em sua direção

Um policial alcança o homem mal vestido e bate com o cabo do revólver em sua cabeça várias vezes; o homem tido como mendigo pelos passageiros de um ônibus em frente cai e as bolas rolam pelo asfalto. 

Um motorista que dirige na mesma linha há oito anos tenta ficar com o ônibus parado para ver os policiais darem chutes e socos em um homem malvestido que está caído na calçada, mas o trânsito está livre e ele avança passando por cima e estourando duas bolas promocionais. 


* Ferréz _ Ninguém é Inocente em São Paulo, Ferrez. Ed Objetiva.

um vinho e uma lua nova




um vinho e uma lua nova

brindo
ao teu corpo
brindo
ao teu gosto
brindo
ao teu cheiro
brindo ao teu suor
brindo
à tua lágrima
que escorre agora
numa saudade minha

* José Carlos Vieira - retirado da obra "A Alma e o E-Mail"




ex-love


saiu de casa
muito novo
ainda ovo

* José Carlos Vieira - retirado da obra "A Alma e o E-Mail"

Minha rua termina - Marcos Prado




minha rua termina
onde a tua começa
e vice-versa
então aonde você vai
com tanta pressa?



*Marcos Prado - retirado da obra ULTRALYRICS

Não Pense _ Marcos Prado




1   não    pense 
    em     mim
    nós     já
      somos      2 não tinja
                        em   mim
                        sua  chu
                            va       3 não  ganhe
                                         em   mim
                                          sua  cal
                                             ma


*Marcos Prado - retirado do livro ULTRALYRICS


O Bicho - Manuel Bandeira





Vi ontem um bicho
Na imúndicie do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão.
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, 

era um homem. 

*Manuel Bandeira

chá



chá

chá pra aliviar a alma
chá pra trazer a calma
chá pra fazer sorrir
chá pra não deixar cair

chá pra eu beber
chá pra entorpecer
chá pra isso
chá pr'aquilo

xá pra qui
xá pr'acolá

quer saber?

(dê) chá pra lá!

*Carol Miskalo

quarta-feira, 9 de maio de 2012

No mês de Abril tive a imensa satisfação de conhecer o escritor Rodrigo Círiaco no Sarau na Cozinha (evento organizado pelo Coletivo Marginaliaria). E tem mais... No dia seguinte ainda ouvi o conto "Sem Mágoas" ao vivaçoooo... E a mulherada foi a loucuraaaa.... rsrsrs.

Mas taí, pra vocês agora o conto SEM MÁGOAS.