Então,
se o arroio tímido
Que
passa e que murmura
À
sombra da espessura
Dos
verdes salgueirais,
Mandar-te
entre os murmúrios
Que
solta nos seus giros,
Uns
como que suspiros
De
amor, uns ternos ais;
Então,
se no silêncio
Da
noite adormecida
Sentires—mal
dormida
Em
sonho ou em visão,
Um
beijo em tuas pálpebras,
Um
nome aos teus ouvidos
E
ao som de uns ais partidos
Pulsar
teu coração.
Da
mágoa que consome
O
meu amor venceu
Não
tremas: — é teu nome,
Não
fujas— que sou eu!
* Machado de Assis. Fragmento do livro Crisálidas, capítulo 11 "Versos a Corina"
O POETA
Também eu, sonhador, que vi
correr meus dias
Na solene mudez da grande
solidão,
E soltei, enterrando as
minhas utopias,
O último suspiro e a última
oração;
Também eu junto à voz da
natureza,
E soltando o meu hino ardente
e triunfal,
Beijarei ajoelhado as plantas
da beleza,
E banharei minh'alma em tua
luz, — Ideal!
Ouviste a natureza? Às
súplicas e às mágoas
Tua alma de mulher deve de
palpitar;
Mas que te não seduza o cântico
das águas,
Não procures, Corina, o
caminho do mar!
V
Guarda estes versos que
escrevi chorando
Como um alivio à minha
soledade,
Como um dever do meu amor, e
quando
Houver em ti um eco de
saudade
Beija estes versos que
escrevi chorando.
Único em meio das paixões
vulgares
Fui a teus pés queimar
minh`alma ansiosa,
Como se queima o óleo ante os
altares;
Tive a paixão indômita e
fogosa,
Única em meio das paixões
vulgares.
Cheio de amor, vazio de
esperança,
Dei para ti os meus primeiros
passos
Minha ilusão fez-me talvez,
criança;
E eu pretende dormir aos teus
abraços,
Cheio de amor, vazio de
esperança.
Refugiado à sombra do
mistério
Pude cantar meu hino
doloroso:
E o mundo ouviu o som doce ou
funéreo
Sem conhecer o coração
ansioso
Refugiado à sombra do
mistério.
Mas eu que posso contra a
sorte esquiva?
Vejo que em teus olhares de
princesa
Transluz uma alma ardente e
compassiva
Capaz de reanimar minha
incerteza
Mas eu que posso contra a
sorte esquiva?
Como um réu indefeso e abandonado
Fatalidade, curvo-me ao teu
gesto;
E se a perseguição me tem
cansado.
Embora, escutarei o teu
aresto.
Como um réu indefeso e
abandonado,
Embora fujas aos meus olhos
tristes
Minh'alma irá saudosa,
enamorada
Acercar-se de ti lá onde
existes
Ouvirás minha lira
apaixonada,
Embora fujas aos meus olhos
tristes,
Talvez um dia meu amor se
extinga,
Como fogo de Vesta mal
cuidado,
Que sem o zelo da Vestal não
vinga;
Na ausência e no silêncio
condenado
Talvez um dia meu amor se
extinga,
Então não busques reavivar a
chama.
Evoca apenas a lembrança
casta
Do fundo amor daquele
que não ama
Esta consolação apenas basta;
Então não busques reavivar a
chama.
Guarda estes versos que
escrevi chorando
Como um alívio à minha
soledade,
Como um dever do meu amor; e
quando
Houver em ti um eco de
saudade
Beija estes versos que
escrevi chorando.
VI
Em vão! Contrário a amor é
nada o esforço humano;
É nada o vasto espaço, é nada
o vasto oceano.
Solta do chão abrindo as asas
luminosas
Minh'alma se ergue e voa às
regiões venturosas,
Onde ao teu brando olhar, ó
formosa Corina?
Reveste a natureza a púrpura
divina!
Lá, como quando volta a
primavera em flor,
Tudo sorri de luz tudo sorri
de amor;
Ao influxo celeste e doce da
beleza,
Pulsa, canta, irradia e vive
a natureza;
Mais languida e mais bala, a
tarde pensativa
Desce do monte ao vale: e a
viração lasciva
Vai despertar à noite a
melodia estranha
Que falam entre si os olmos
da montanha;
A flor tem mais perfume e a
noite mais poesia;
O mar tem novos sons e mais
viva ardentia;
A onda enamorada arfa e beija
as areias,
Novo sangue circula, ó terra,
em tuas veias!
O esplendor da beleza é raio
criador:
Derrama a tudo a luz, derrama
a tudo o amor.
Mas vê. Se o que te cerca é
uma festa de vida
Eu, tão longe de ti, sinto a
dor mal sofrida
Da saudade que punge e do
amor que lacera
E palpita e soluça e sangra e
desespera.
Sinto em torno de mim a muda
natureza
Respirando, como eu, a
saudade e a tristeza
E deste ermo que eu vou, alma
desventurada,
Murmurar junto a ti a estrofe
imaculada
Do amor que não perdeu,
com a última esperança.
Nem o intenso fervor, nem a
intensa lembrança.
Sabes se te eu amei, sabes se
te amo ainda,
Do meu sombrio céu alma
estrela bem-vinda!
Como divaga a abelha inquieta
e sequiosa
Do cálice do lírio ao cálice
da rosa,
Divaguei de alma em alma em
busca deste amor;
Gota de mel divino, era
divina a flor
Que o devia conter. Eras tu.
No
delírio
De te amar— olvidei as lutas
e o martírio;
Eras tu. Eu só quis, numa
ventura calma,
Sentir e ver o amor através
de uma alma;
De outras belezas vãs não
valeu o esplendor,
A beleza eras tu: — tinhas a
alma e o amor.
Pelicano do amor dilacerei
meu peito,
E com meu próprio sangue os
filhos meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a
quimera, a esperança;
Por eles reparti minh'alma.
Na provança
Ele não fraqueou, antes
surgiu mais forte;
É que eu pus neste amor,
neste último transporte,
Tudo o que vivifica a minha
juventude:
O culto da verdade e o culto
da virtude,
A vênia do passado e a
ambição do futuro,
O que há de grande e belo, o
que há de nobre e puro.
Deste profundo amor, doce e
amada Corina,
Acorda-te a lembrança um eco
de aflição?
Minh'alma pena e chora à dor
que a desatina:
Sente tua alma acaso a mesma
comoção?
Em vão! Contrário a amor é
nada o esforço humano,
É nada o vasto espaço, é nada
o vasto oceano!
Vou,
sequioso espírito,
Cobrando
novo alento
N'asa
veloz do vento
Correr
de mar em mar;
Posso,
fugindo ao cárcere,
Que
à terra me tem preso,
Em
novo ardor aceso,
Voar,
voar, voar!
Então,
se à hora lânguida
Da
tarde que declina
Do
arbusto da colina
Beijando
a folha e a flor
A
brisa melancólica
Levar-te
entre perfumes
Uns
tímidos queixumes
Ecos
de mágoa e dor;
Então,
se o arroio tímido
Que
passa e que murmura
À
sombra da espessura
Dos
verdes salgueirais,
Mandar-te
entre os murmúrios
Que
solta nos seus giros,
Uns
como que suspiros
De
amor, uns ternos ais;
Então,
se no silêncio
Da
noite adormecida
Sentires—mal
dormida
Em
sonho ou em visão,
Um
beijo em tuas pálpebras,
Um
nome aos teus ouvidos
E
ao som de uns ais partidos
Pulsar
teu coração.
Da
mágoa que consome
O
meu amor venceu
Não
tremas: — é teu nome,
Não
fujas— que sou eu!
* Machado de Assis. Fragmento do livro Crisálidas, capítulo 11 "Versos a Corina". Disponível para download
Nenhum comentário:
Postar um comentário