sábado, 11 de junho de 2011

Ele


Parado.

Estático.

Estaria imóvel não fosse o vento que, vez ou outra, sopra vagarosamente balançando sua roupa. Seu figurino é sempre o mesmo... Uma camisa listrada e aquele jeans surrado, ambos quase sem cor devido ao uso constante e as variáveis climáticas que enfrenta todos os dias sem pestanejar, ora os raios de sol com toda sua imponência, ora as chuvas torrenciais com seus ventos fortes. Outra coisa notavelmente desbotada é o riso distante que carrega em sua face e que parece costurar-lhe a boca evitando, assim, que ele se lamentasse das coisas da vida.

Mas ele parecia não se incomodar de ficar ali todos os dias, o dia todo.

Digo parecia, pois havia algo bem sutil que podia ser observado pela posição da sua cabeça, meio que pendida para o lado, e pela posição dos seus olhos, que acompanhava todo o crescimento da plantação. Apesar dessa sutil demonstração de descontentamento, ele permanecia calado e imóvel. Afinal, quem em sã consciência ouviria aquele homem sem coração?

Na certa, não restava dúvidas, para ele, de que passaria o resto de seus dias assim... Até não agüentar mais nem um sopro suave e desfalecer silencioso no chão.

Porém, certa manhã, dessas lindas manhãs aconchegantes e malemolentes de outono em que o sol nasce tímido e adorável espantando lentamente o frio da noite, aconteceu algo que lhe chamou atenção.

Do outro lado da cerca, escondida entre a grama alta, observou alguém que o olhava de forma diferente. Não era como os outros olhares indiferentes que o tratavam como “uma coisa insossa, sem valor algum” que não servia para nada além de servir e calar.

Esse alguém o olhava com ternura e compaixão, tentando entender como aquele homem conseguia viver dessa forma, silenciosa e passiva.

E foram passando os dias e todos os dias na mesma hora aquela figura curiosa vinha visitá-lo, como que para colocar as conversas em dia com um velho amigo.

Esse alguém fez brotar algo que ele não havia experimentado ainda, não que este homem tivesse vivido grandes experiências, mas o fez sentir algo estranho que lhe formigaria os pés, se os tivesse.

E do outro lado da cerca, de um mundo distante e de uma forma nada óbvia, alguém descobriu naquele homem, até então sem vida, uma grande companhia e aprendeu uma grande lição...

Com um espantalho sem pé nem coração que se permitiu viver pelo menos uma vez sem medo...


* Carol Miskalo é mais uma dessas pessoas que vê o mundo e se inspira.

Baseado no curta-metragem "Espantalho", direção Alê Abreu

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